“O poder tem sempre um lado mau, porque se abusa dele”
Para definirmos a figura do agente de execução vamos utilizar dois itens dicotómicos:
- O poder do agente de execução.
- O estigma do executado.
O agente de execução é uma figura que surgiu em 2003 no âmbito de reforma estrutural do Código de Processo Civil (CPC). A sua proveniência fez desaparecer os solicitadores de execução, desempenhando funções de relevo na ação executiva, trabalhando em paralelo com os tribunais e os exequentes na cobrança de dívidas coercivas, e utilizando essencialmente a plataforma digital através do conhecido programa CITIUS, igualmente usado por advogados. É um profissional liberal que exerce funções públicas, cujas competências e modus operandi se encontram convenientemente descritos no sobredito CPC.
Por força do artº 719º daquele diploma, cabe-lhe:
“1 — … efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.”
E não menos importante, é o ónus que lhe imputa o artº 754º, quando determina que tem o dever de prestar todos os conhecimentos que lhe sejam pedidos pelas partes, e a responsabilidade civil extracontratual resultante do nº 3 do artº 534º.
Após a caraterização das suas funções, e no propósito de atingir o objetivo da mensagem a que nos propomos, resta saber se no exercício da sua atividade comete atos contra legem, ou outros que extravasem as suas competências. Para o efeito, explanamos sucessivamente três casos concretos:
- Se o agente de execução tenta cobrar desenfreadamente, sem olhar a meios, em atropelo da lei, está a abusar daquele poder que lhe foi confiado no exercício de funções públicas, ação que poderá culminar no crime previsto no artº 382º do Código Penal.
- Se o agente pressiona o executado, dizendo que já tem o aluguer de camião pago para proceder à remoção dos bens, quando tal não corresponde à verdade, está a abusar do seu poder, ludibriando concomitantemente o executado.
- Se o agente de execução penhora saldos bancários, quando previamente tinha sido efetuada uma penhora de créditos, designadamente de rendas, está a abusar do princípio designado pelo autor de extensibilidade da penhora.
Ora, se conjuntamente com o agente se encontrar o advogado do exequente e corroborar qualquer uma das afirmações, comete este crime em co-autoria. Para além disso, estes tipos de comportamento são igualmente sancionáveis pela respetiva Ordem de profissionais em termos disciplinares.
Em todo aquele procedimento, há claramente abuso do poder e violação dos poderes funcionais, com o objetivo de cobrar a todo o custo para terceiro. Efetivamente, com todas as prerrogativas que a lei lhe concede, abnega-se tais atos. Em abono desta contextualização, encontramos um aresto proveniente do tribunal da relação de Coimbra, acórdão de 27-11-2013, procº nº 98/07.0JALRA.C3, que transcrevemos textualmente e na íntegra:
“1. O crime de abuso de poder constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede;
2. O crime é integrado, no primeiro limite do perímetro da tipicidade, pelo mau uso ou uso desviante de poderes funcionais, ou por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais.
3. Mas, com um elemento nuclear: o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, mas tem de ser determinado por uma intenção específica que enquanto fim ou motivo faz parte do próprio tipo legal.”
Em estrita conexão, o maior dos problemas reside com alguma frequência no facto de determinados agentes de execução serem continuamente indicados pelos mesmos advogados com quem têm um relacionamento específico. Se a associação dos agentes de execução clama dignidade, terá que apelar numa primeira ratio ao comportamento condigno dos seus membros, pois estes, vinculados como estão ao princípio da legalidade, não devem desvirtuar a pouca margem de discricionariedade que lhes assiste, designadamente quando privilegiam determinadas penhoras em relação a outras, devido por vezes à personalidade do exequente.
No desempenho das suas funções, devem ter em conta juízos de equidade, reger-se pelo padrão do homem médio, normal e provido da diligência e zelo de um bom pai de família, e fazer juízos de prognose póstuma. Basicamente, devem afastar o esteriótipo do executado, e saber que do outro lado existe e deve ser protegido o direito à honra e ao bom nome.
Boa noite Dr. António Soares.
Vim dar ao seu blogue quando procurava respostas sobre a prescrição de dívidas a operadoras. E encontrei também este seu texto, que muito me agradou.
E sobre o assunto, gostaria de deixar o meu testemunho, sobre a total impunidade que os agentes de execução têm neste país.
No ano de 2014 tive a conta da minha empresa penhorada e o dinheiro levantado por uma agente de execução, em nome de uma dívida que nunca existiu a uma operadora de telemóveis.
Além de nunca ter existido essa dívida, a empresa de advogados que tratava do assunto com a operadora, cometeu um erro e enviou para a penhora para essa agente de execução, mas logo que detectaram o erro, emitiram uma nota a cancelar a penhora.
21 dias depois de ter recebido essa nota de cancelamento (cuja cópia me foi enviada), a agente de execução acionou a penhora junto do banco da minha empresa e levantou o dinheiro!
Na altura, e porque essa agente de execução de Viana do Castelo nem sequer tinha os dados actualizados, e perante a minha história, obtive o contacto dela através da Câmara dos Solicitadores – Delegação do Norte.
Quando consegui ‘apanhá-la’ ao telefone, e perante todos os dados que tinha lhe exigi a imediata devolução do dinheiro, respondeu-me que mo devolveria quando o tivesse… como é obvio a conversa azedou…
Perante este tipo de atitude, apresentei uma queixa à Câmara dos Solicitadores e à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça. Ambas as entidades optaram por arquivar o caso.
Creio que isto diz tudo… embora ainda tenha outra historia semelhante com outro agente de execução da mesma operadora, de quem apresentei também queixa, a quem a Câmara dos Solicitadores da delegação a que pertencia abriu processo mas que viu esse processo arquivado e a respectiva decisão revogada.
Desculpe a extensão do meu comentário, mas mesmo assim é muito resumido de tudo aquilo por que passei.
Melhores cumprimentos e continuarei a seguir o seu blogue.
Maria do Carmo
O meu muito obrigado,
Por despender o seu valioso tempo em tornar simples e acessível o tópico de direito e deveres que nesta complexa sociedade se torna cada vez mais, um conhecimento absolutamente essencial.
Bem haja
Pedro Reis