Perante as questões recorrentes de pessoas menos esclarecidas, algumas das quais com proveniência em profissionais liberais, entendemos por bem trazer à colação a recente matéria.
Assim:
Através do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, foram tomadas as primeiras medidas de prevenção e contingência concernentes ao Covid.19, vulgo Coronavírus, atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020. Tendo em consideração que a situação de pandemia traz repercussões de natureza económica, as quais não são superáveis sem os pertinentes recursos humanos, urgia a imperiosa necessidade de criar um regime legal adequado a tal realidade excecional, em especial no que respeita à matéria de contratação pública e de recursos humanos em termos empresariais.
De frisar, e tal como consta da incidência objetiva ínsita do art.º 1.º do diploma sub judice, que tais medidas são de caráter excecional e temporário, o mesmo que significa afirmar, que produzirão os seus efeitos no período de vigência da situação epidemiológica em todas as suas fases – prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção.
Porém, com a alteração anormal das circunstâncias, por força da progressiva contaminação da população, estas medidas vinham a revelar-se insuficientes, urgindo a necessidade de nova regulamentação, pelo que, o presidente da República portuguesa declara o estado de emergência nacional a 18 de março, por força do estado de calamidade pública – Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de março. Reconhecemos que ficaram coartados determinados direitos de natureza constitucional, mas sempre seremos apologistas em defender intransigentemente o interesse público, sobretudo quando estão em questão razões de natureza sanitária de elevado grau. Não será descabido afirmar, de que a realidade pré-jurídica se sobrepõe à constitucional, embora, tendo em atenção a socialização do direito “ubi societas ibi jus”, tais medidas têm de ser plasmadas em instrumento jurídico, como foi o caso.
No dia 19 de março, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 204/XXII/2020, que basicamente se consubstancia no reconhecimento, incrementação e execução do sobredito decreto presidencial, ficamos face a um diploma com menos abstração, sendo que foi determinado em específico o encerramento das instalações e estabelecimentos referidos nos anexos à presente resolução e da qual fazem parte integrante. Por outras palavras, todos os estabelecimentos previstos em concreto na adenda àquela resolução, seriam objeto de encerramento, incluindo todo o comércio a retalho e atividades desportivas em grupo, designadamente ginásios.
No dia ante referido, é também publicada a Lei n.º 1-A/2020, não somente para ratificar o predito Decreto-Lei n.º 10-A/2020, como também, para alargar as medidas de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. Não foram muitas as medidas preconizadas por este último diploma, mas destacamos em especial, a proibição de denúncia de contratos de arrendamento habitacional e não habitacional, por uma das suas formas, bem como a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado.
Ora, apesar de toda esta situação, com repercussões negativas nos mais diversos níveis, não deixam de constituir uma função primacial, as medidas de caráter económico, sendo que, pese embora a questão sanitária, o ser humano terá de continuar a necessitar dos seus proventos para sobreviver. Nesta concomitância, é publicado o DL n.º 10-G/2020, de 26 de março, para estabelecer uma medida excecional e temporária de proteção dos postos de trabalho, no âmbito da pandemia em cogitação. Tal DL clarifica também o conceito de crise empresarial, verbi gratia, Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, e Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, sendo que de momento, a que mais nos interessa se encontra plasmada no primeiro diploma, ou seja, a proveniente de encerramento total ou parcial de empresa ou estabelecimento comercial.
No que concerne àquele DL n.º 10-G/2020, importa concentrarmo-nos em 16 dos seus artigos, assumindo especial acento o art.º 2.º, quando delimita o âmbito do diploma em sede de incidência subjetiva, ao determinar, “1 – As medidas excecionais previstas no presente decreto-lei aplicam-se aos empregadores de natureza privada, incluindo as entidades empregadoras do setor social, e trabalhadores ao seu serviço, afetados pela pandemia da COVID-19 e que se encontrem, em consequência, em situação de crise empresarial, mediante requerimento eletrónico apresentado pela entidade empregadora junto dos serviços da Segurança Social.” Daqui se infere, que se tornam necessários dois requisitos:
- Estarmos perante um agente económico.
- Proceder ao pedido pela via eletrónica. Aqui imputa-se um dever acrescido ao contabilista certificado, porquanto este terá de emitir uma declaração/certidão que ateste a paragem total ou parcial da atividade, e a queda abrupta da faturação, a qual se afere através do balancete contabilístico ou através da declaração para efeitos de liquidação do IVA.
Os apoios dali emergentes, reunidos que sejam os pressupostos em precedência, consubstanciam no seguinte:
a) Apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho, em caso de redução temporária do período normal de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho;
b) Plano extraordinário de formação;
c) Incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa;
d) Isenção temporária do pagamento de contribuições para a Segurança Social, a cargo da entidade empregadora.
O modus operandi ínsito no no diploma referido, traduz-se em dois documentos, os quais temos o cuidado de apresentar com acesso direto pela via eletrónica – o Requerimento da Segurança Social e Anexo ao Requerimento RC_3056.
Resta agora saber, se todas as atividades, dependendo da natureza do agente económico/entidade patronal, se encontram abrangidas – os diplomas analisados, referem-se a empregadores de natureza privada, pessoa singular ou coletiva, mas são omissos relativamente ao negócio jurídico associativo. Assim sendo, põe-se a clara questão, se serão beneficiárias das presentes medidas, as entidades que prossigam fins da natureza não lucrativa, ou sejam, associações e fundações. Ora, o Código das Sociedades Comerciais exclui logo no seu art.º 1.º este tipo de pessoas coletivas sem fins lucrativos, ao dispor que apenas se aplica às sociedades comerciais.
Não obstante, entendemos que beneficiam nas mesmas circunstâncias, pelas razões que sucessivamente explanamos:
- Por analogia do regime das pessoas coletivas previsto no CCivil com as sociedades comerciais – art.º 157.º do CCivil;
- Porque se tratam de pessoas coletivas com personalidade jurídica – art.º 158.º do CCivil;
- O direito comunitário afasta nas suas diretivas a distinção entre pessoas coletivas de direito público ou de direito privado, mesmo quando se tratem de situações criadas para a satisfação de necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial.
- Mas o mais importante, é que, na definição de entidades privadas, cabe, as que sejam criadas livremente por particulares segundo os modelos típicos do direito privado (associação, fundação, cooperativa, etc.), ou seja, enquadráveis nos empregadores de natureza privada, subsumíveis ao art.º 1.º do DL n.º 10-G/2020.