PUBLICAÇÃO CORRIGIDA DE CONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO ATUALIZADA, DESIGNADAMENTE LEI 41/2013, DE 26 DE JUNHO, QUE APROVOU A VERSÃO MAIS RECENTE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC).
Num determinado Julgados de Paz, foi interposta uma ação judicial pela empresa de administração de condomínios X, contra o condómino Y, nos termos da Lei nº 78/2001, com as alterações provocadas pela Lei nº 54, de 31 de Julho de 2013.A matéria fatual e de direito é sintetizada, sendo que, relativamente ao modus operandi daquele Julgados, procurarei ser o mais possível preciso e esclarecedor. Aliás, o juiz foi previamente advertido pelo demandado, de que, caso houvesse preterição de formalidades legais, o processo seria objeto de divulgação.
Factos
Da causa de pedir consta que o demandado não pagou a sua alíquota em benfeitorias realizadas em dois terraços que não servem de cobertura ao seu apartamento de cerca de 40 metros quadrados, sito no rés do chão do prédio Z, no montante de € 237,60. Constata o demandado, que da referida ata, que constitui o documento nº 4 da PI, não é feita menção a essa quantia a imputar ao condómino e/ou condóminos.
Do mérito da causa
O demandado contesta, formulando primeiramente a sua defesa por exceção, invocando as questões que sucessivamente passamos a descrever:
“1) Segundo as cópias das atas de deliberações anexas à PI, não foi respeitado o quorum a que se refere o artº 1432º do Código Civil, doravante designado abreviadamente CCivil, nem o modus faciendi de suprir tal lacuna, caso se tenha ultrapassado legalmente a insuficiência da falta de quorum. (As atas constantes da PI continham apenas a assinatura do sócio gerente da empresa de condomínios e da funcionária.
2) Destarte, e salvo melhor opinião, todas as atas padecem de nulidade, o que conduz à anulação de todos os atos subsequentes nos termos do artº 195º, nº 2, do CPC.
3) O demandado entende que, tratando-se de nulidade, que a mesma pode ser arguida na contestação nos termos do artº 191º do predito diploma legal.
4) E mesmo que assim se não entendesse, contrariamente ao que entende o mandatário da demandante, o demandado nunca foi notificado das atas, conforme transmitiu verbalmente ao condomínio, situação que no entanto considera relevada por não achar necessário.
Sem prescindir,
a) O demandado não foi notificado dos valores em causa, designadamente os reproduzidos como anexos 5 e 6 da douta PI, tendo apenas recebido uma nota de débito no montante de € 79,20, emitida em 01.06.2010, que o mandatário não logrou apresentar, ou resolveu sub-rogar por outras com valores substancialmente diferentes, cujo original constitui o doc. nº 1 já aludido nesta peça.
b) No entanto, e à cautela, o demandado produz a sua defesa por impugnação, alegando a ineptidão da petição inicial, porquanto o mandatário fala em enriquecimento sem causa previsto no artº 480º do CCivil, quando para tal efeito nem sequer se encontravam verificados os pressupostos que classifiquem o instituto jurídico invocado.
c) Concomitantemente, o mandatário pede, para além da quantia exequenda, juros de mora e juros compensatórios, demonstrando nitidamente que não conhece a distinção entre os diversos tipos de juros imputáveis ao incumprimento – pede juros de mora a 4% e juros compensatórios a 4% também, trabalhando na base de juros compostos, o que consubstancia atos ilícitos, para além de pedir honorários que ultrapassam a quantia exequenda, e que deveriam constituir o seu verdadeiro campo de batalha.”
Paralelamente à contestação, o demandado deduz RECONVENÇÃO nos termos do nº 1 do artº 47º da Lei nº 78/2001, com a seguinte motivação:
- Reembolso das despesas com benfeitorias urgentes realizadas na fracção no montante de € 700,00, ao qual acresceram posteriormente € 50,00, e a que também deveria acrescer o IVA à taxa legal em vigor na data da emissão da respetiva fatura; indemnização e pagamento de custas e outros encargos ocorridos no processo.
No que concerne aos factos, o reconvinte deu primeiramente como reproduzida toda a matéria de facto constante do processo ante referido, e, subsequentemente, descreve toda a situação no que concerne às obras urgentes, relativamente às quais foi contatado por um dos condóminos a conselho do condomínio, uma vez que havia uma alegada infiltração de água nas paredes e que danificava o material que se encontrava no armazém sito na cave.
Relativamente às questões de direito, faz a seguinte análise no pedido:
“Do caso sub-judice.
- As obras foram consideradas de carácter indispensável e urgente, pelo que, o condómino encetou de imediato todas as diligências para proceder à sua realização, para o bem dos restantes consortes e no sentido de dar cumprimento ao preceituado no artº 1427º do Código Civil.
- Com a ação proposta pelo condomínio, ao ler a ata nº 32, que lhe serve de anexo, apercebeu-se o reconvinte, que a questão das infiltrações do armazém já era objeto de discussão desde 2009, sendo que, se entende que as diligências feitas junto do condómino Sr. (…), a conselho do condomínio, como o declarou telefonicamente, se traduzem em atos de má-fé, no sentido de persuadirem o condómino a realizar benfeitorias que já tinham sido discutidas em assembleia e exaradas em ata a 05.06.2009.
- Recentemente foram efetuadas obras da mesma natureza, que segundo a funcionária do condomínio D. (…), surgiram na mesma esteira das anteriores.
- Na ação em cogitação, o mandatário imputa ao condómino o enriquecimento sem causa por força do artº 479º do Código Civil, sem que, para o efeito estejam reunidos os pertinentes pressupostos.
- Pelo que, deverá ser acusado de litigante de má-fé nos termos previstos no artº 542º do CPC, juntamente com o condomínio na pessoa do seu administrador, pretendendo o reconvinte relativamente ao mandatário fazer participação junto da AO, caso o Tribunal se exima a tal diligência.
- Em concomitância, e por um princípio de equiparação, pede a indemnização de € 750,00 (correspondente a cada PI do mandatário), nos termos previstos nos artºs 542º e 543º, conjugados com o artº 87º, todos do CPC.
- E a título de danos morais a importância de € 1 000,00.
- Nestas circunstâncias, juntando os factos do processo em referência, das exceções invocadas e do direito quanto à sua subsunção jurídica, o condomínio representado pelo seu administrador e o mandatário, devem ser condenadas a pagar além dos € 1 750,00 ante referidos, os € 750,00 das benfeitorias realizadas, € 75,00 de despesas administrativas e deslocações, e as custas processuais, tudo com juros de mora à taxa legal de 4%, com benefício de ambos, apenas a partir de 22.10.2010.”
O reconvinte arrolou testemunhas, sendo o elenco constituído pela pessoa que o contatou para a realização das obras e o inquilino que teve ao tempo da ocorrência.
Notificado para comparecer à audiência de julgamento, fê-lo, sendo-lhe transmitido pela respetiva funcionária, de que o mandatário do condomínio tinha procedido ao pedido da alteração da data por sobreposição de diligências. Disto, não foi previamente notificado o demandado, o que apenas sucedeu já em pleno Julgados de Paz, sendo concomitantemente notificado para a próxima diligência congénere.
Em segunda audiência, compareceram as testemunhas de ambas as partes, a funcionária da autora, e o mandatário falta. Note-se, que tinha sido o próprio a marcar por escrito o dia para a audiência.
Ora, atendendo a que o demandado é jurista, o juiz concedeu-lhe a prerrogativa de ouvir as testemunhas, apesar de afirmar que o processo iria ser julgado por deserção – não apareceu o mandatário nem o representante da parte, independentemente do contacto telefónico, realizado pelo tribunal e pela sua funcionária, alegando que não conseguia encontrar o advogado, por não atender o telemóvel.
Tanto em primeira como em segunda audiência, o demandado questionou a funcionária da empresa de condóminos sobre a falta de assinatura dos condóminos presentes nas reuniões, volvido que era mais de uma ano. Independentemente das justificações que se procurem encontrar, não nos parece que exista alguma plausível. Portanto, apesar de outras irregularidades que foram invocadas, a ilegitimidade é uma exceção dilatória prevista na al. e) do artº 577º do Código de Processo Civil, com a cominação do nº 2 do artº 576º, ou seja, a absolvição da instância.
ENTRETANTO,
o demandado vem a ser notificado de que foi dada sem efeito a audiência nos termos do artº 201º, nºs 1 e 2, do CPC, por falta de notificação do mandatário, uma vez que a mesma foi emitida para o seu domicílio profissional contrariamente à morada que indicara na procuração. Note-se, que a funcionária da parte, assim como todas as testemunhas compareceram à audiência.
O juiz termina ipsis verbis o seu despacho “Deste modo, atendendo a que simplicidade da questão dispensa o contraditório (cfr. artº 3º, nº 3 do CPC), considero nula e de nenhum efeito a referida notificação, anulando igualmente os atos subsequentes, nomeadamente a audiência de julgamento, nos termos do disposto no artº 195º, nºs 1 e 2, do CPC.”
Tratando-se de um processo sumaríssimo o demandado reclama do despacho do juiz em 20-02-2012 ex vi da remissão efetuada pelo artº 63º da Lei 78/2001, assim:
- “O demandado tomou conhecimento do predito despacho nos termos definidos no artº 259º do Código de Processo Civil.
- Constituem fundamentos da presente reclamação, os vícios da falta de fundamentação, a preterição de formalidades essenciais e violação da lei.
Ora,
- consta do referido despacho, que a notificação da audiência de julgamento “…foi expedida para morada diferente daquela constante da procuração junta aos autos” – SIC, sem acrescentar a quem deverá ser assacada a responsabilidade de tal ato.
- O demandado compulsou o processo, não tendo verificado que a correspondência tenha sido devolvida, pelo que, nos termos do CPC a notificação considera-se perfeita e produz efeitos no terceiro dia posterior ao do registo, a qual somente deixaria de produzir efeitos se fosse devolvida pelo facto da mesma não ter sido remetida para o escritório ou domicílio profissional do mandatário, como resulta de uma interpretação literal do artº 240º do CPC.
- Em nenhuma parte do instituto das citações e notificações consta a obrigatoriedade de o mandatário ser notificado em local por si indicado na procuração, relevando para o caso o facto de a notificação se encontrar convenientemente efetuada, por ter sido rececionada – assim fica derrogada a interpretação extensiva feita por Vª Exª ao artº 195º do CPC.
- Refere também Vª Exª naquele despacho, que o mandatário dispõe de procuração especial, pelo que podiarepresentar a mesma em sede de audiência de julgamento, escolhendo como fonte de sustentação o nº 4 do artº 53º da Lei 78/2001. Efetivamente, as pessoas coletivas devem fazer-se representar por mandatários com poderes especiais, mas não é obrigatório que assim seja. E quando se fala deste preceito, estamos dentro do instituto da Mediação e não da audiência de julgamento.
- Acrescenta ainda no mesmo parágrafo do despacho, que havendo mandatário não há necessidade da presença da pessoa coletiva. No entanto, o tribunal fez diligências telefónicas no sentido de obter a presença do representante legal da sociedade que administra o condomínio, o qual apresentou como justificação da sua ausência o facto de não conseguir contatar o mandatário.
- Depois, estava este inclusivamente arrolado como testemunha, manifestando assim com a sua ausência um propósito sério e redobrado da premeditação da falta.
- Ainda em abono do exposto, acresce que o condomínio se fez muito bem representar pela funcionária dos serviços administrativos e apresentou a outra testemunha arrolada, contrariamente ao que é afirmado no douto despacho, onde Vª Exª diz que a irregularidade da notificação determinou a falta da demandante.
Sem prescindir
- O mandatário já tinha alterado a data da marcação da audiência de julgamento, não cumprindo os pressupostos prescritos no artº 151º do CPC, não demonstrando nitidamente o seu impedimento, pois não o poderia justificar com a sobreposição de diligências congéneres, atendendo a que a mesma decorreu no período das férias judiciais.
- O pedido do demandado recebeu acolhimento de Vª Exª, com a advertência de que não haveria possibilidade de novo adiamento, conforme determina imperativamente o artº 58º, nº 3, da Lei 78/2001.
- Vª Exª serve-se da legislação supletiva para considerar nulo o ato da notificação. Ora, de igual modo se serve o demandado do CPC para invocar as regras sobre o julgamento e não renovação do ato nulo, previstos respetivamente nos artºs 201º e 202º daquele diploma legal – a arguição da nulidade não poderia ser deferida sem a prévia audiência da contraparte, e a notificação não pode ser renovada se já expirou o prazo dentro da qual deveria ser praticado.
- Por fim, o modus operandi da demandante, respetivo mandatário e do tribunal, não pode servir de atropelo à lei, sobretudo quando se trata da salvaguarda de terceiros lesados; pois em últimas circunstâncias, sempre haverá a responsabilidade civil extracontratual dos agentes e servidores do Estado.
Termos em que, se requer a Vª Exª a revogação do despacho de que ora se recorre, considerando a demandante devidamente notificada para a audiência de julgamento,
e aplicando a cominação prevista no artº 58º da Lei 78/2001 pela sua não comparência pela segunda vez consecutiva.”
O juiz indefere o pedido de revogação do ato com este fundamento “Apreciando o mérito de argumentação do demandado, independentemente da terminologia invocada, não se vê que lhe assista razão, designadamente à luz do citado artigo 616º do CPC.
Com efeito, não foi previamente ouvido o demandado, por se ter considerado, face à simplicidade da questão, ser isso manifestamente desnecessário, como o próprio artº 201º do CPC admite.
Além disso, é óbvio que não resulta da lei que a notificação do mandatário da parte deva ser feita para a morada constante da procuração, mas a mesma tem, ao menos, que ser expedida para o escritório indicado por este.
(…)
Na verdade, não se pode retirar do facto da mesma notificação não ter sido devolvida pelos CTT a conclusão de que a notificação produziu os seus efeitos normais no terceiro dia posterior à sua expedição, como sustenta o demandado.
(…)
Finalmente, o despacho de fls. 58 que procedeu ao adiamento da audiência de julgamento já transitou em julgado, não podendo agora vir ser questionado.”
Da decisão, considerada parcialmente procedente, consta:
- A condenação do demandado a pagar as despesas realizadas arbitrariamente pelo condomínio e os respetivos juros de mora até à data da propositura da ação, nos termos dos artºs 1436º e 1437º do CCivil;
- E no que concerne ao pedido reconvencional, não foi aceite a compensação por não se considerar admissível à luz do artº 48º, nº 1, da Lei 78/2001.
Da subsunção dos factos ao direito
O julgado de paz não tinha prova da notificação do demandado para alteração da audiência – preterição de formalidades legais previstas no artº 46º da Lei 78/2001, bem como das datas de pré-mediação ou de sessão de mediação, ofendendo assim também o artº 54º daquela lei.
O direito a benfeitorias está consagrado no artº 48º da mesma lei, atendendo a que o demandado pretendia obter a compensação das obras urgentes que havia realizado em partes consideradas comuns.
Prescreve o artº 58º, nº 1, da Lei 78/2001, que, se o demandante não comparecer no dia marcado para a audiência, tendo sido regularmente citado, que tal falta se traduz em desistência do pedido, caso não apresente justificação no prazo de 3 dias.
Nos termos do nº 3 do mesmo preceito, é à secretaria que incumbe a marcação de nova data, sem possibilidade de adiamento. Ora, se a parte e demandante faltaram, o processo deveria ser julgado por deserção nos termos do nº 1 também daquele artigo conjugado com o artº 281º do CPC.
Embora o artº 248º, nº 1 do CPC, preveja que os mandatários possam ser notificados no domicílio profissional ou em domicílio escolhido, este não escolheu nada – deixou apenas na procuração uma morada diferente da que corresponde ao seu domicílio profissional, mas é para este último local, que com muita frequência, o tribunal o tem citado. Depois, o tribunal fez no próprio dia todas as démarchespara, telefonicamente, encontrar a parte e o mandatário, tendo-se tal ato revelado frustrado apenas relativamente a este último.
(Trata-se do PROCESSO Nº 400/2011 – JP)
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