Prescrição no processo-crime/Prescrição dos crimes

Prescrição no processo-crime/Prescrição dos crimes

Para aferirmos da prescrição do procedimento em sede de direito criminal, teremos de nos socorrer numa fase prima facie do art.º 118.º do Código Penal, o qual nos é apresentado com a epígrafe de “Prazos de prescrição”. O preceito surge com um elenco de normas no seu n.º 1, por exclusão de partes, descendente, ou seja, determinando o prazo de prescrição dos crimes puníveis com a pena mais elevada até à pena menor. Importa esclarecer que, em termos objetivos, o primeiro elemento a considerar para efeitos do instituto jurídico em causa, é a moldura penal máxima de cada crime. Constitui nosso mister trazer à colação os crimes de corrupção passiva e abuso do poder, previstos nos art.ºs 373.º e 382.º do Código Penal, sendo que, a cada um corresponde uma moldura penal máxima de 8 e 3 anos, respetivamente.

Ora, na posse deste elemento, e tal como dissemos ab initio, resulta o seguinte enquadramento:

  • O crime de corrupção passiva é subsumível à norma ínsita da al. b) do n.º 1 do art.º 118.º, quando a mesma prescreve que o procedimento criminal se extingue logo que sobre a prática do facto tiver ocorrido o prazo de “Dez anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, mas que não exceda dez anos;
  • No que concerne ao crime de abuso do poder, aproveitamos o mesmo texto com a alteração da moldura penal máxima de 3 anos.

Porém, as coisas não são feitas com esta linearidade, uma vez que o legislador penal se socorreu das causas de suspensão e de interrupção, à semelhança do que sucede com outros ramos do direito, designadamente no âmbito do direito tributário e do direito contraordenacional.

Então, para completarmos o assunto sub judice, devemos lançar mão dos art.ºs 120.º e 121.º do normativo em questão, os quais nos indicam os casos que provocam o efeito pretendido pelo legislador.

Não obstante, o legislador criou prazos máximos para a ausência de procedimento, e de ambos os preceitos, elegemos as duas situações que nos parecem mais comuns e dignas de realce.

Assim:

        a.     No concernente às causas de suspensão, entendemos por pertinente utilizar como exemplo a al. b) do n.º 1 do art.º 120.º, o qual dispõe que a suspensão do procedimento criminal se verifica durante o tempo em que “O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação (…)”. Na norma ínsita no n.º 2, é estabelecido que o prazo de suspensão a que corresponde a predita alínea não pode ultrapassar 3 anos.

        b. Quanto às causas de interrupção, em qualquer dos seus casos, e com ressalva da suspensão, não pode ser ultrapassado o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Ora, no crime tipificado no art.º 373.º, n.º 1 (corrupção passiva), por força do art.º 118.º, n.º 1, al. b), o prazo normal de prescrição é de 10 anos, pelo que, com a aludida ressalva da suspensão, o prazo de prescrição é de 15 anos. No crime de abuso de poder (corpo do art.º 382.º), aproveitamos o teor ínsito na al. b) do mesmo número e artigo, sendo que se trata de um crime com uma moldura penal máxima, que não ultrapassa os 3 anos. E aqui, ope legis, o prazo normal de prescrição é de 5 anos, o qual, acrescido de metade, de novo ressalvando o prazo de suspensão, é de 7,5 anos (sete anos e seis meses).

Resumidamente, acrescendo a cada um destes prazos o precedente prazo de suspensão, compreendendo cada um de per se o prazo normal de prescrição, obtemos o seguinte resultado:

  • O crime de corrupção passiva prescreve no prazo máximo de 18 anos.
  • O crime de abuso do poder prescreve no prazo máximo de 10,5 anos (dez anos e seis meses).

Quando um julgador profere uma decisão de modo inverso, melhor dizendo, sem respeitar tais prazos, ofende o princípio magno da legalidade previsto no art.º 202.º da CRP, decisão essa passível de recurso para o TC, depois de esgotadas outras instâncias. Poderá parecer desadequado, mas atentemos a tal respeito a um aresto do STA, de 20 de outubro de 1937, publicado no D.º do Gov. n.º 29, de 13 de novembro de 1937:

«Aos julgadores não é lícito fazer exigências que as leis não estabeleçam,

      nem autorizam, e sem proveito algum para a administração de sã justiça

Não obstante, poderão existir eventualmente outras razões que suscitem a inconstitucionalidade. Citemos, a título exemplar, uma decisão onde o julgador aprecia a eficácia erga omnes da prescrição em relação a um coarguido, preterindo outro. Aqui, estão claramente ofendidos o princípio da equiparação ou da universalidade plasmados no art.º 12.º, n.º 1, da CRP; o princípio da igualdade, consignado no art.º 13.º daquele diploma; e o recente e doutrinal princípio da frustração das expetativas.

Do que nos foi dado recolher sobre o princípio da frustração das expetativas, o arguido agiu e viveu na convicção da extinção da pena, imbuído da cognoscibilidade dos prazos de prescrição. Não se tendo verificado o resultado esperado, uma atuação conforme as prescrições normativas, o arguido vê frustradas as suas expetativas. Isto leva-nos a refletir e dar assentimento a duas situações históricas:

a.     A César o que é de César, a Deus o que é de Deus “Quod Caesaris Caesari; quod Dei, Deo”.

b.     E de novo a fazer alusão a um aresto de 1930 proferido pelo T. S. do C.C.I., de 28 de maio de 1930:

                        “Os julgadores não devem nem podem ter receio de proferir as suas decisões quando elas                            são justas.

                        O Estado só é lesado quando deixa de receber o que lhe é legitimamente devido, sendo tão                          iníqua a decisão que isenta do pagamento devido como a que obriga ao pagamento                                    indevido.”

Todos os princípios ante referidos desembocam na ofensa ao princípio do Estado de Direito Democrático, ínsito no corpo do art.º 2.º do normativo em questão. E salvo melhor opinião, todos servirão certamente de fundamento ao recurso para o TC, após trânsito da última instância onde o caso foi julgado.

Fica a ressalva relativamente aos crimes habituais, aos crimes continuados, aos crimes permanentes e aos crimes não consumados, sendo que, nos termos previstos no art.º 119.º do Código Penal, os prazos são contados conforme segue:

          “1 – O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver                    consumado.

          2 – O prazo de prescrição só corre:

          a) Nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação;

          b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto;

          c) Nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.

          (…).

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

Veja Também

MINUTAS E FORMULÁRIOS – Anotados e Comentados «5.ª Edição»

No dia 1 de julho de 2020 procedi ao lançamento da 5.ª EDIÇÃO da minha ...