O cidadão tem perguntado insistentemente, se ao agente público assiste a prerrogativa de prevaricar sem sofrer qualquer sanção.
Ora, é do senso comum, que todo o cidadão está vinculado à lei independentemente da natureza do trabalho ou especificidade da função, salvo determinadas situações, que a lei também prevê, e como tal saem fora da incidência objetiva e/ou subjetiva da lei que, in concreto, esteja em cogitação.
Se tivermos, designadamente, em atenção o Código da Estrada, publicado através do Decreto-Lei n.º 114/94, de 03/05, com as alterações introduzidas sucessivamente até à versão mais recente vertida no DL n.º 84-C/2022, de 09/12 , devemos ter bem presente que todo o cidadão, independentemente do seu estado ou condição social, deve cumprir a lei com rigor, em paridade de circunstâncias com o cidadão comum.
Como a matéria é abrangente, restringimos a presente publicação aos veículos que param ou estacionam sobre os passeios.
ASSIM,
determina ipsis verbis o art.º 1.º, al. n), do Código da Estrada:
“«Passeio», superfície da via pública, em geral sobrelevada, especialmente destinada ao trânsito de peões e que ladeia a faixa de rodagem;”
A exceção objetiva aparece-nos no art.º 17.º, do qual também fazemos a transcrição:
“Bermas e passeios
1 – Os veículos só podem utilizar as bermas ou os passeios desde que o acesso aos prédios o exija, salvo as exceções previstas em regulamento local.”
O insólito da questão, que consideramos lógica, é que, não é permitido estacionar, nem parar, sobre as bermas ou passeios.
Vide a al. f) do n.º 1 do art.º 49.º do diploma sub-judice:
“f) Nas pistas de velocípedes, nos ilhéus direcionais, nas placas centrais das rotundas, nos passeios e demais locais destinados ao trânsito de peões;”
Destarte, se algum cidadão vir parado ou estacionado algum veículo do corpo da polícia, independentemente da sua natureza, pode chamar a GNR, a PSP ou a polícia municipal, a fim de proceder à sua remoção.
Relativamente à apreensão, trata-se de um processo desenvolvido administrativamente no serviço onde exerce funções o trabalhador, sendo que, deverá decorrer em paralelo um processo disciplinar.
Este processo tem diversos rostos, assumindo nuns casos o procedimento prescrito na Lei n.° 35/2014, de 20 de junho (última versão: DL n.° 13/2024, de 10 de janeiro), sob a epígrafe de Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, designada de forma abreviada LTFP; noutros o disposto na Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, especificamente para a PSP; e no que concerne à PJ, o Decreto-Lei n.º 196/94, de 21 de julho. Ou seja, temos incompreensivelmente uma panóplia de diplomas da mesma natureza, versando sobre a mesma matéria, para trabalhadores que exercem funções públicas.
A foto que anexamos e consta após o texto, foi tirada via telemóvel, exatamente no dia 31.12.2012, correspondendo a um veículo da Polícia Municipal destinado à remoção de viaturas em infração, estacionado simultaneamente sobre um passeio, frente a duas garagens. O paradoxo seria, se determinado cidadão fizesse a denúncia da infração, e a polícia apenas dispusesse de uma viatura daquela natureza, situação em que se removeria a si própria (releve-se o aspeto lúdico).
Sem pretendermos fazer quaisquer conjeturas, fica contudo a advertência de que, qualquer pessoa que exerça funções públicas não deve cometer infrações cominadas na lei nas mesmas circunstâncias que o cidadão comum. A isto, acresce ainda a cumulação de sanções que se correlacionam com o processo disciplinar, por três razões:
1.ª) É obrigado a conhecer a lei, com mais veemência, já que ao cidadão comum não é concedida a faculdade de invocação da sua ignorância (art.º 6.º do Código Civil).
2.ª) Se o funcionário público estacionou para obter vantagens patrimoniais, designadamente para comemorar a passagem do ano com os seus familiares, a já aludida Lei n.º 35/2014, no seu art.º 73.º, n.º 4, prescreve que “O dever de isenção consiste em não retirar vantagens, directas ou indiretas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.” (Partindo do pressuposto que no caso se aplica a citada lei).
3.ª) O n.º 2 do art.º 266.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe de “Princípios fundamentais”, estabelece:
“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.” – SIC.
Conclusão: Contrariando Carnelutti, o direito quando nasceu foi para todos:
concordando com Muhammad Ali, os nossos atos e atitudes é que nos definem:
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