FIANÇA – A Salvaguarda do Fiador

FIANÇA – A Salvaguarda do Fiador

A fiança integrava o estudo da cadeira opcional de 5.º ano do curso de direito pré-bolonha, designada de “Garantias Especiais das Obrigações”, tratada no capítulo do Código Civil, exatamente com a mesma epígrafe.
É um instituto jurídico com o qual se deverá ter o máximo cuidado, pois esta figura significa a vinculação do fiador perante o credor, no caso de incumprimentos do devedor, o qual responderá com o seu património.
Tal como determina o n.º 2 do art.º 627.º do Código Civil, a obrigação de fiador é acessória em relação ao devedor. Quer isto significar, que aquele apenas ficará obrigado ao pagamento no caso de incumprimento do devedor, vigorando entre ambos o regime da solidariedade no pagamento das dívidas – ou seja, pagamento um, desobriga o outro perante o credor, que vê a sua prestação satisfeita. Depois, beneficia o fiador do direito de regresso sobre o devedor, ficando constituído como sub-rogado na posição do credor.
No entanto, no caso de manifesta insuficiência ou ausência de bens, que o devedor não teve para cumprir previamente a obrigação principal, a manter-se o statu quo ante, o mais natural é que o direito de regresso redunde em frustração até que o devedor venha a ser titular de bens suscetíveis de assegurar o pagamento da dívida em caso de execução, durante o período ordinário de prescrição,  data a partir da qual se verificará a extinção da relação jurídica.
O objetivo do presente artigo não é teorizar de forma aprofundada sobre a fiança, mas elucidar a principal vítima nestas circunstâncias, que salvo melhor opinião, é sempre a do fiador.
De todas as situações passíveis da constituição de fiança, poder-se-á dar exemplarmente a questão da prestada na celebração de contrato de arrendamento, por nos parecer a mais vulgar, embora tudo o quanto expomos se torne extensivo e aplicável a todas as outras situações.
ASSIM:
Se no caso mencionado em precedência, o inquilino deixar de pagar as rendas a que estava obrigado ex vi do contrato de arrendamento, terá que se ter em consideração diversos fatores, que passam desde as  relações entre o fiador e o inquilino, entre qualquer um daqueles ou ambos e o  senhorio, e finalmente, o enquadramento da situação económica e financeira dos obrigados ao pagamento.
CLARIFICANDO,
se for movida uma ação declarativa de condenação em regime de coligação, simultaneamente contra o fiador e o devedor principal, aquele, apesar dos argumentos que utilize em sede de contestação, terá que proceder à comunicação de LIBERAÇÃO DA FIANÇA, nos termos do art.º 648.º do Código Civil, invocando, para além de tudo o quanto foi aludido no referido articulado, o facto de os riscos da fiança se agravarem em extremo, pois em caso contrário, nunca teria surgido a  interposição da ação pelo locador. Note-se, que para além deste último motivo, a matéria aduzida em sede de contestação poderá coincidir com a invocada na comunicação de liberação da fiança.
Ora, a primeira situação a ser verificada, é se existe idoneidade da fiança, preocupação que a lei imputa ao credor, o qual jamais gostará de ver frustrados os seus créditos em caso de incumprimento do contrato subjacente. Esta caraterística da fiança afere-se pelo conhecimento que o credor tem relativamente ao fiador, competindo-lhe analisar se as prestações emergentes do contrato poderão ser asseguradas pelo fiador em caso de incumprimento do devedor principal.
Existem casos, nomeadamente quando intervêm no contrato mediadores imobiliários, em que o contrato aparece assinado às mãos do senhorio sem tampouco se conhecerem os intervenientes – este é um dos casos de inidoneidade da fiança, o qual torna o fiador parte ilegítima nos termos do n.º 1 do art.º 653.º do Código Civil.
Se o credor se aperceber que o fiador deixou de reunir os pressupostos, porque deixou de estar em circunstâncias que também lhe permitiam sub-rogar o devedor em caso de incumprimento, compete àquele, intervir junto do devedor e pedir o reforço da fiança, ou exigir garantia idónea, o que poderá fazer judicial ou extrajudicialmente. Aliás, na última situação referida, poderá fazer sempre, e o poder judicial agradece. Caso o credor não se preste a tal papel, configura-se mais um tipo de inidoneidade da fiança que aproveita a favor do fiador, conforme determinam igualmente os n.ºs 2 e 3 do preceito ante referido.
Outra questão ainda no âmbito da matéria de exceção, é a obrigatoriedade de o senhorio proceder primacialmente à excussão dos bens do principal devedor, executando para esse efeito os bens do mesmo, e só subsidiariamente, movendo ação contra o fiador, que poderá ser total ou parcial relativamente à quantia em dívida. Esta diligência poderá tornar-se injustificável, se o locador viu os seus créditos satisfeitos com a execução sobre os bens do inquilino. Isto é o que se infere literalmente do art.º 638.º do diploma que vem sendo referido, quando dispõe:
1.    Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.
2.    É lícita ainda a recusa, não obstante a execução de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor. (SIC)
Destarte, o credor ainda tem contra si o facto de o fiador vir a provar que a responsabilidade pelo incumprimento não lhe deverá ser assacada por ausência de culpa, como acontece no caso de omissão no reforço da fiança anteriormente aludido.
Aliás, no caso da ação movida em coligação, tal ato poderá tipificar um caso de litigância de má-fé podendo redundar em indemnização a favor do fiador, caso seja pedida em sede própria, designadamente em reconvenção, pois não assiste ao credor a prerrogativa de disparar em todos os sentidos apenas com o firme intuito de ver satisfeito o seu crédito – tudo tem peso e medida.
Se olharmos para o caso em apreço, nada obsta que a ação seja em últimas circunstâncias movida contra o mediador imobiliário, uma vez que foi o mesmo a encarregar o fiador de dar implicitamente crédito ao inquilino, como também prescreve o art.º 629.º, n.º 1, do predito diploma. E surge-nos deste modo mais um argumento para o fiador invocar a sua ilegitimidade na demanda.
De todo o modo, como mais vale prevenir que remediar, se a constituição de fiança se tornar numa situação irrecusável, o ideal é pedir sempre uma garantia real contemporaneamente àquela, alodial, podendo ser prestada por terceiro indicado pelo devedor, pois o fiador sempre terá o apanágio de exigir a execução prévia do objeto da garantia.
Daqui se infere, que é de todo primordial, que o fiador não renuncie ao benefício da excussão, e que exija garantia real e alodial (sem quaisquer ónus), para afastar os privilégios creditórios ou preferenciais.
Por último, ao fiador assistem os mesmos meios de defesa consentidos ao devedor, e podem por aquele ser usados isoladamente no caso deste último se escusar aos mesmos; acrescendo ainda, que independentemente de tudo o quanto foi referido, que assiste ao fiador a prerrogativa de chamar à demanda o devedor para com ele se defender conjuntamente, o que torna a sua tarefa mais fácil.
CONCLUSÃO
É comum as pessoas manifestarem aversão à fiança pelos entraves nefastos que tal figura eventualmente seja suscetível de causar. No entanto, se não lhe for fácil a recusa à solicitação do devedor, essencialmente pela sua afinidade com o mesmo, tenha bem presente o que foi descrito, aconselhe-se com um profissional do foro jurídico se tiver sérias dúvidas, mas salvaguarde sempre o seu património, o seu bem estar e o dos seus familiares, sem qualificar a fiança como um mal transcendental a evitar, pois o legislador não o deixou desprotegido.

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

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9 Comentários

  1. boa noite
    agradecia que me informa-se o seguinte:
    caso o proprietário da habitação não cumpra com o pagamento mensal do emprestimo que contraiu com uma instituição de crédito, poderá o fiador pedir a essa instituição de credito que coloque a referida habitação em venda.
    agradeço a informação
    cumprimentos
    herminio silva

  2. Boa noite e obrigado por consultar o blog.
    Quanto à questão que me coloca, gostaria de lhe responder taxativamente, mas não posso, porquanto não é permitido que os meus interesses colidam com os profissionais do foro jurídico, apesar de se tratar de um blog virado para a cidadania. Por isso, procedo à transcrição do útimo parágrafo:
    É comum as pessoas manifestarem aversão à fiança pelos entraves nefastos que tal figura eventualmente seja suscetível de causar. No entanto, se não lhe for fácil a recusa à solicitação do devedor, essencialmente pela sua afinidade com o mesmo, tenha bem presente o que foi descrito, aconselhe-se com um profissional do foro jurídico se tiver sérias dúvidas, mas salvaguarde sempre o seu património, o seu bem estar e o dos seus familiares, sem qualificar a fiança como um mal transcendental a evitar, pois o legislador não o deixou desprotegido.
    Depois, nenhum jurista deverá correr o risco de dar uma resposta sem conhecer o processo na sua íntegra;finalmente, e se ler com alguma acuidade, a resposta está dada no artigo, sobre o qual poderá tecer comentários pertinentes, mas não colocar questões que saem fora do objetivo preconizado. Apesar de tudo, reitero os meus agradecimentos.
    Cumprimentos

  3. Boa noite…

    Gostaria que uma dúvida me fosse esclarecida. Qual o prazo para um fiador exercer o direito de regresso contra o devedor principal? E caso esse prazo seja ultrapassado, que resta ao fiador?

    Cumprimentos, obrigado.

  4. Olá, boa noite. Como já se deverá ter apercebido pelo comentário que antecede o seu, apenas são pertinentes comentários à matéria publicada. O que faz, é uma pergunta do foro jurídico, puramente técnica, com a qual tenho plena afinidade, prevista no artº 524º do Código Civil. No entanto, para não gerar incompatibilidades com os profissionais do foro, lamento não lhe poder responder. Passo a acrescentar, de que será fácil satisfazer a sua dúvida através do Google.
    Aliás, a minha resposta teria que ser traduzida num trabalho da natureza do presente, e com toda a probabilidade ainda mais extenso.

    Cumprimentos

  5. Boa Noite
    Gostaria se possível me ajuda-se nesta pergunta.
    Sou fiador de um empréstimo monetário, os devedores não estão a pagar e o banco já me começou a levantar dinheiro da minha conta.
    Gostava de saber se podem fazer isso ou tem em primeiro lugar de ir sobre os bens dos devedores.
    Obrigado
    E bem aja.
    José Fernandes

  6. Boa Noite
    gostava de ser esclarecido numa questão sou fiador num contrato de arrendamento e quando assinei sem conhecer o senhorio o contrato não tinha a ultima alinha que por acaso está escrita á mão, agora que me foi mandado pelo tribunal com rendas em atraso constatei o sucedido é legal ou posso desvincular-me do contrato visto ter sido alterado.

  7. Boa noite caro comentador (assim deveria ser)!
    O que me transmite prende-se com o contrato de arrendamento e não com a fiança. Para esse efeito, poderá, querendo, ler a minha obra sobre o arrendamento urbano, cujo link segue de imediato:
    http://antoniosoaresrocha.com/direito/o-essencial-sobre-o-arrendamento-urbano

  8. Moisés Araújo de Sousa

    Boa noite
    sou Fiador solidário com mais nove (9), de um contrato mutuo bancário no qual tem uma CLÁUSULA que obriga os Fiadores a não transferir, nem liquidar os créditos hipotecários(mencionados no contrato os procº de todos eles), porém o Banco deu o distrate (cancelamento da hipoteca) de três créditos hipotecários), prejudicando os restantes Fiadores. A empresa devedora está insolvente e o Banco está a executar todos os fiadores.
    Não posso opor-me à execução pedindo a libertação de Fiador ao abrigo do Artª. 653ª CC, porque, por fato positivo o credor prejudicou os restantes Fiadores com menos garantias na sub-rogação???????????????
    Obrigado

  9. Boa tarde,
    O Sr. traz à colação este assunto pela segunda vez coonsecutiva, mais precisamente, neste artigo e no de “TRIBUNAL – Como ser uma boa Testemunha”. Ora, o que se espera dos leitores, é que comentem com pertinência e CORDIALIDADE, se assim o entenderem, porque este e outros blogues congéneres, constituem uma fonte de conhecimentos imbuída de altruísmo e reciprocidade, e que efetivamente se poderá converter num fórum. Essas questões de natureza técnica, que o Sr. gostaria de ver satisfeitas e que eu não refuto, terá que as colocar a um profissional que tenha afinidade com a área técnica do direito. Espero que compreenda, que este blogue tem subjacente a atividade artística e intelectual, excogitando toda a publicidade correlacionada com a área jurídica. Atendendo a que esta fonte não vai de encontro à sua pretensão, lamentavelmente terá que procurar outra.