Arrendamento Urbano – Código Civil de Seabra de 1867

Arrendamento Urbano – Código Civil de Seabra de 1867

O Contrato de arrendamento é caraterizado pelo seu sinalagmatismo, pela onerosidade e pela especificidade da forma e conteúdo.

É celebrado entre duas partes, sendo ambas sujeitos de direitos e obrigações, sendo que, ao senhorio[1], compete ceder o prédio, fração em regime de propriedade horizontal, ou partes de prédio suscetíveis de arrendamento em separado, e ao inquilino incumbe o dever de cumprir com a prestação acordada, ou seja, o pagamento da renda.

Inicialmente, não havia a obrigatoriedade destes contratos serem celebrados por escrito. No “tempo dos romanos”, bastava que, no momento da celebração, as partes dessem o aperto de mão, o designado shake hands, invocando simultaneamente a Deusa Fides[2], a Deusa da confiança,  cujo culto era muito antigo – tinha-se a convicção de que a palavra dada, o compromisso, era a base da sociedade e da ordem política[3].

Daí que, para determinadas pessoas, como é o caso, apertar a mão ainda se conote com essa proveniência, por razões subjacentes a determinados padrões de natureza cultural.

No que concerne ao conteúdo, desde muito cedo se passou a sentir a necessidade de se estabelecerem regras, porque a informação verbal perde-se, e a universalidade do ser humano nem sempre salvaguarda a preservação do princípio consuetudo est altera natura.

É verdade que os costumes fazem regra com o decurso do tempo, mas esse mesmo tempo nos veio a ensinar que, as próprias regras escritas, plasmadas nas leis que conhecemos, no contrato ou sentença, são frequentemente objeto de atropelo ou absoluto incumprimento. Aliás, parece muito adequado enquadrar neste contexto uma citação de Carnelutti “O direito é para os medíocres; os bons não precisam dele, e os maus não o temem”.

O regime mais claro e liberal do contrato de arrendamento, surge-nos com o Código Civil de Seabra de 1867, com disposições que ainda hoje se mantêm na sua essência, como seguidamente se explanam:

  1. O contrato assumia uma modalidade de locação, sendo celebrado supletivamente pelo período de seis meses, na ausência de estipulação em contrário.
  2. Prorrogava-se por períodos iguais e sucessivos, desde que nenhuma das partes procedesse ao despedimento segundo o direito costumeiro vigente na terra.
  3. Funcionava o regime de renda livre.
  4. Assistia ao senhorio a faculdade de despedimento na falta de pagamento das rendas, ou quando ao prédio fosse dado destino diferente da sua originalidade ou estipulação.
  5. A este incumbia a obrigação de realizar obras, podendo, sob a sua passividade, o arrendatário proceder às reparações necessárias à manutenção do locado, com a condição de ser o senhorio a suportar a dívida que resultava da execução da obra.
  6. Em caso de falecimento de uma das partes, havia a transferência da posição contratual para a pessoa do sucessor, sendo inteligível que, se a regra consistia na celebração do contrato por seis meses, quer na situação da sucessão mortis causae, quer na realização de benfeitorias, dificilmente surgiriam obstáculos difíceis de transpor.
  7. Por força do Código de Processo Civil de 1976, o senhorio podia socorrer-se do tribunal para conseguir o despejo do inquilino, citando-o para abandonar o locado no fim do arrendamento, com a cominação de sanções de índole executiva.

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[1] O senhorio não tem que ser rigorosamente o proprietário, podendo consistir noutra figura, designadamente no comodatário ou no sublocador.

[2] Daqui a génese da Fidepromissio e da Fideiussio.

[3] Leitão, Luiz Menezes, Garantias das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2006, p. 117; Cruz, Sebastião, Direito Privado – II, Lisboa Editora, 2003, p. 242-247.

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

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