Home / Direito / PARTICIPAÇÃO DE SINISTRO – ATOS DE VANDALISMO
PARTICIPAÇÃO DE SINISTRO – ATOS DE VANDALISMO

PARTICIPAÇÃO DE SINISTRO – ATOS DE VANDALISMO

Para os leitores que normalmente seguem as nossas publicações, não será de modo algum estranho aceitar que a preocupação que mais nos assiste se traduz na proteção da vítima, sejam quais forem as circunstâncias sociais, étnicas, económicas ou raciais, e consequentemente, o ramo do direito em questão.

Concomitantemente, procuro ter sempre casos concretos associados, o que permite aumentar o nível de inteligibilidade, sem necessidade de recurso em regra a uma interpretação extensiva ou restritiva da lei.

Ora, tal como tivemos o cuidado de mencionar ab initio (http://antoniosoaresrocha.com/sobre) dispomos de uma certa familiaridade com a matéria dos seguros, consistindo o presente caso no enquadramento de atos de vandalismo, cobertura de índole adicional, associada ao seguro do ramo Multiriscos. Estando esta cobertura abrangida pelo clausulado geral da apólice, é também designada de “regalia adicional”.

O contrato de seguro é na sua essência um contrato de adesão, sendo que, quando o contrato é subscrito pelo candidato (o seguro é válido apenas após a aceitação pela seguradora), este passa a aderir ao produto que lhe é oferecido pela seguradora contra o pagamento de um preço, designado “prémio”. As coberturas adicionais, são contratadas a título suplementar, integrando as cláusulas especiais ou particulares da apólice.

No que concerne à anunciada cobertura de atos de vandalismo, vamos tornar a situação ainda mais específica, no sentido de proteger o proprietário de uma habitação de rendimento,  ilegitimamente ocupada. Ou seja, por artefactos impróprios, alguém ocupa indevidamente a propriedade d´outrem, muda as fechaduras e passa a habitar o imóvel. Convém deixar claro aprioristicamente que, tratando-se de fração de prédio urbano (propriedade horizontal) ou de divisão suscetível de arrendamento em separado, é obrigatória a subscrição deste seguro ou equivalente (Incêndio e Elementos da natureza), nos termos do art.º 1429.º do Código Civil. Caso o proprietário adote um comportamento de non facere, incumbe à administração do  condomínio sub-rogar o condómino, debitando-lhe o valor correspondente ao prémio na data do seu vencimento.

Quid Juris?!…

– O proprietário deverá proceder às diligências que sucessivamente são descritas conforme o desenrolar dos acontecimentos:

 Primeira

 Proceder à queixa-crime. Deixamos o link com publicação igualmente de nossa autoria para que o interessado possa aferir do respetivo modus operandi: http://antoniosoaresrocha.com/direito/queixa-crime

 Segunda

Certidão da ocorrência. Em caso de despejo provocado por ação judicial, deverá solicitar-se certidão das partes do processo que relatem os atos de vandalismo levados a cabo pelo réu, suscetíveis de indemnização pela seguradora. Tratando-se de habitação de rendimento, o mais curial é que não exista seguro de recheio por falta de objeto.

Se o ocupante ilegítimo abandona comprovadamente o local antes do término da ação, levando consigo as chaves, deverá solicitar a presença dos órgãos de polícia criminal competentes (GNR ou PSP), a cuja circunscrição pertença o imóvel, no sentido de dar cumprimento ao princípio da territorialidade, e proceder ao arrombamento.

Das circunstâncias descritas, é lavrado o auto de diligências, do qual se requererá certidão para apresentar à seguradora.

Terceira

Participação do sinistro.

Hoje predomina a liberdade de forma, não sendo obrigatório utilizar o formulário da companhia de seguros. Este ato poderá ser praticado por via postal, fax ou por e-mail, devendo ser utilizado o meio mais expedito, ou seja, o último indicado.

Com a participação, caso haja disponibilidade, já deverá seguir o orçamento concernente aos prejuízos, ficando relegada para momento posterior a entrega da certidão do auto de diligências. Se o segurado não a obtiver, será função da empresa de peritagens proceder à recolha da mesma ou dos elementos que considere imprescindíveis à boa resolução do sinistro.

Quarta

Seguro associado à hipoteca.

Se existir hipoteca bancária sobre o imóvel, por opção do interessado, poderá ser requerido um período de carência enquanto o imóvel não produz quaisquer rendimentos, desde que, após análise da instituição do crédito, sejam reunidos os pertinentes pressupostos. Para este efeito, serão solicitados: a última declaração de IRS apresentada, os 3 últimos recibos do vencimento, comprovativo de crédito numa instituição congénere, caso exista, onde conste o capital em dívida e respetiva prestação, bem como os extratos bancários.

 Quinta

Arrombamento.

Nos casos de arrombamento pelos órgãos de polícia criminal, gente que não tem complacência por ninguém, arromba sem saber a quem.

Deverá ser mantida a calma, participar o sinistro à seguradora, ao Departamento de Investigação a Ação Penal(DIAP) e ao Tribunal de Instrução Criminal(TIC), e a seguradora procederá à indemnização de todos os danos, inclusive nos provocados pela polícia.

Havendo um terceiro identificado, como in casu, a seguradora deverá indemnizar diretamente o lesado, usufruindo do direito de regresso sobre o prevaricador.

Sexta

O busílis da questão

Bens cobertos.

Não existindo seguro de recheio, se os móveis de cozinha tiverem sido objeto de vandalismo, o perito tomará tout court, a iniciativa de transmitir que esse bem ou universalidade não se encontra coberto ao abrigo do contrato de seguro.

Eis uma exposição aproximada daquela que deverá fazer-se à seguradora: A cozinha terá de ser objeto de indemnização, enquadrando-se tudo em atos de vandalismo. Segundo a opinião infundamentada do perito, estes danos não deveriam estar cobertos pela apólice, porquanto apenas existe seguro do edifício.

No entanto, este assunto, e em abono do sinistrado, merece a seguinte ordem de considerações, apenas com recurso ao Código Civil:

  1. Nos termos do art.º 202.º, diz-se, coisa é “…tudo aquilo que pode ser objeto de relações jurídicas”. Ora, a cozinha, estruturada como está, excluindo claramente os eletrodomésticos, não poderá ser cindida para constituir objeto de transmissão, ou seja, não poderá ser objeto de relações jurídicas – é uma verdade à La Palice (http://antoniosoaresrocha.com/outras/verdade-a-la-palice).
  2. Determina a al. e) do n.º 1 do art.º 204.º do diploma sub-judice, que são coisas imóveis “As partes integrantes dos prédios rústicos ou urbanos”.
  3. O n.º 3 do mesmo preceito prescreve ipsis verbis, que “É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com caráter de permanência”. (O Bold foi acrescentado).
  4. A doutrina que norteia esta matéria remonta ao ano de 1986, mantendo-se constante até ao presente período  – vide RC. 20/05/1986:CJ, 1986, 3º-55. E ainda, RL, 12-05-1988:CJ, 1988, 3º-141 “A coisa incorporada num prédio torna-se parte integrante deste desde que a incorporação seja permanente o que ocorre se tal visou a satisfação de necessidades prementes, sem limite temporal.”
  5. Transcrevemos na íntegra a posição da APDC – Associação Portuguesa de Direito ao Consumo, do Prof Mário Frota, emitida a 21/02/2011:”No n.º 3 do citado artigo se menciona que “é parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência”, como exemplo de uma parte integrante temos, as janelas, os aros das janelas, o revestimento do chão – tacos, tijoleira, etc. – as loiças da casa de banho, os armários da cozinha, etc.

Destarte, é por demais evidente, aos olhos da lei, da doutrina e jurisprudência, que as coisas ligadas ao imóvel com caráter de permanência são partes integrantes do imóvel, incluindo as loiças da casa de banho e os armários da cozinha.

Depois, convém haver a ciência, ou racionalidade, para compreender que, aqui não há lugar à aplicação da regra proporcional, porque o capital coberto ultrapassa significativamente o valor patrimonial e/ou venal da fração.

 Sétima

Danos supervenientes.

Numa panóplia de acontecimentos desagradáveis, verificando-se que não foram relacionados todos os bens danificados e descurados pelo perito, deverá ser feita uma participação adicional à seguradora, com a maior brevidade possível, com as alterações julgadas pertinentes. Se ainda não tiverem sido enviados o orçamento e a certidão do auto de ocorrência, é a oportunidade de fazer tudo conjuntamente:

Minuta:

Relativamente à participação de sinistro com a textualização descrita na data “X”, vem o segurado participar adicionalmente danos de natureza diversa, mas que poderão, salvo melhor opinião, ser enquadrados na mesma participação, por uma questão de economia de meios e de processos.

Trata-se de situações de superveniência subjetiva, ou seja, que já existiam anteriormente, mas que apenas chegaram ao conhecimento do interessado com o acesso à habitação no dia da peritagem, sexta-feira, dia “y” do corrente. Daqui emerge a razão do orçamento ser apresentado a destempo.

ASSIM:

  1. Danos causados por água: A caixilharia das únicas duas janelas encontra-se completamente danificada pela água. Esta cobertura tanto poderá integrar-se na classificação referida, como, tratando-se de utilização indevida pelo ocupante ilegítimo, subsumir-se nos próprios atos de vandalismo.
  2. Continuar-se-á com a descrição, caso exista.

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

Veja Também

Jurisconsulto/Departamento de assuntos jurídicos

Por notificação realizada a 31 de julho do ano 2020, na sequência de despacho proferido ...