TRIBUNAL DE CASTELO DE PAIVA
(SECÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO)
No dia 14.01.2011, o Ministério Público, doravante designado abreviadamente MP, junto do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, emite um despacho de acusação por ofensa à integridade física simples, tipificada como crime no artº 143º do Código Penal – trata-se de um crime semi-público, pois conforme determina o nº 2 daquele preceito, é um crime que depende de queixa.
No que concerne aos factos, afigura-se uma situação de inversão do silogismo judiciário – o arguido foi previamente ofendido e não lhe assiste a prerrogativa da defesa sob pena de se convolar em suspeito de crime que cometeu em legítima defesa.
OU SEJA: o queixoso agride verbalmente o arguido, na sequência de discussão iniciada por aquele, e verificando a passividade deste, desfere-lhe um soco no rosto e outro passados alguns segundos. Como ato espontâneo, na posição de homem normal e diligente, sem prever, POR AUSÊNCIA DE TEMPO, as consequências que poderiam advir daquele ato reiterado, o arguido dá com uma garrafa de vinho na cabeça do queixoso, que utilizava para servir os copos dos amigos.
Ao queixoso foi-lhe prestada assistência hospitalar, e para dar ênfase à situação recorre ao Hospital do Vale de Sousa, sito em Penafiel, sendo assistido apenas com 4 pontos na cabeça, como consta do despacho do MP.
Ao arguido sempre assiste a faculdade de se defender legitimamente nos termos do artº 32º do Código Penal, e quanto mais não fosse, como última ratio, ainda tinha o nº 2 do artº 33º do Código Penal para o salvaguardar, atendendo a que o queixoso vinha criando problemas sociais inaceitáveis na comunidade paivense, como é de conhecimento geral, e serão alvo de referência em sede própria, e porque concomitantemente apresenta uma robustez física manifestamente superior à do arguido, para além de uma irascibilidade ainda mais acentuada.
Como reduto último, sempre o MP deveria tomar em consideração segundo a teoria diferenciada, o estado de necessidade desculpante, por o seu ato se ter traduzido num meio adequado de afastar o perigo que consistia na ameaça à integridade física do arguido levada à exaustão pelo queixoso.
O MP termina o inquérito na data inicialmente mencionada por facto ocorrido em 04.07.2010, ofendendo destarte o princípio da legalidade ínsito in casu no artº 262º, em conjugação com o artº 53º e 276º, todos do Código de Processo Penal. O MP demora todo este tempo para fazer simplesmente duas ou três diligências?
Não seria preferível o MP, na observância do princípio da oportunidade, proceder ao despacho de arquivamento nos termos do artº 277º do diploma também ante referido?
Não constituem para esse efeito circunstâncias atenuantes, o facto de constar do processo crime de difamação previsto no artº 280ª do CP, porquanto o queixoso imputa atos ao arguido enquanto este se encontrava calmamente a dormir no seu próprio leito?
No despacho que deduz a acusação contra o arguido, os factos encontram-se distorcidos e a fundamentação legal aplicável aos factos assim ocorridos não obedece ao determinado no artº 283º do CPP, ficando assim sujeita à pena de nulidade conforme determina aquele mesmo preceito.
É por demais evidente, que o arguido irá consultar o processo, no entanto, como já está esgotado o prazo previsto no artº 89º do CPP para requerer certidão no sentido de participar contra o queixoso crime de ofensa à integridade física e de difamação, os quais dependem de queixa, como irá o Juiz de Instrução resolver a questão? Acrescente-se que tal aconteceu não por negligência do actual arguido, mas porque o queixoso e familiares prometeram reiteradamente desistir da queixa, e quiçá com má-fé, o que torna mais reprovável a qualificação do seu comportamento.
É minha opinião, que não se tratando de crimes públicos, que o MP deveria fazer desentranhamento no processo, extraindo certidões das situações que configurassem qualquer crime, comunicando ao interessado, ficando ao livre arbítrio do mesmo a decisão da queixa. E estamos mais uma vez perante a manifestação dos princípios da igualdade e da oportunidade.
No entanto, e como não deixo de valorizar o nosso legislador penal, entendo que ele previu que este tipo de situações pudesse acontecer, como advém de uma interpretação extensiva do artº 287º do CPP, o qual permite ao arguido requerer a abertura de instrução, juntando para o efeito todas as provas que julgar pertinentes, e que mau grado para o “ofendido”, são muitas. E é efectivamente aqui, que para além da prova testemunhal, o arguido verá lograda a sua defensável opinião sobre os assuntos que deveriam ter sido objecto de inquérito e que certamente foram descurados, designadamente enunciando as razões que assistirr em posição inversa a ambos os intervenientes.
E, veja-se o mais caricato da questão: o inquérito, conforme já referido anteriormente, teve apenas por base as declarações prestadas pelo ofendido que se constituiu assistente no processo, e de duas testemunhas, amigas do mesmo, que nem tampouco estavam presentes no local.
Infelizmente, conforme diz o Juiz Matsinhe, e efectivamente assim é, o arguido pode mentir ou eventualmente remeter-se ao silêncio. Mas, verificando o MP que as testemunhas mentem, ou apenas suspeitando de tal, é extraída uma certidão do depoimento de cada uma delas e de outros elementos de prova existentes no processo, para procedimento criminal por falsidade de testemunho.
É que o MP, através dos seus órgãos de polícia de criminal, que no presente caso se restringe à GNR de Castelo de Paiva, não averiguou os tais factos no item precedente, pois conhecendo bem o local onde tudo aconteceu, incluindo todos os donos das próprias tascas da célebre feira vinho, não desencadeou outras averiguações que aos mesmos são imputadas – a própria mãe do aqui arguido estava a 50 metros do local da ocorrência. Se tal diligência tivesse sido convenientemente executada, saberiam que as testemunhas apresentadas pelo ofendido não estavam presentes no local, tarefa que deixaram para o arguido e seus amigos averiguarem.
A única preocupação foi andar desenfreadamente atrás do ora arguido, apenas porque o queixoso foi considerado o mais lesionado. Se o queixoso se dirigisse a mim, E ASSUMO CATEGORICAMENTE, nas circunstâncias em que o fez ao arguido, nem sequer teria oportunidade de desferir o primeiro soco, ou nem tampouco teria a oportunidade de chegar a fechar o punho e seria imobilizado por antecipação – não há heróis, mas há que ter em atenção a personalidade dos agentes: o arguido é passivo, o queixoso agressivo. Isto é a derrogação de toda a racionalidade.
A propósito do que vem sendo dito, e para finalizar, cito ipsis verbis o recente Acórdão da relação do Porto, de 12-10-2011, processo nº 855/08.0PAVNG.P2, deixando fora de cogitação outra jurisprudência igualmente pertinente e favorável ao arguido:
“I – O requerimento para abertura de instrução tem que definir o thema a submeter à comprovação judicial, em respeito ao modelo acusatório.
II – Sendo a instrução requerida pelo arguido, ao juiz competirá conhecer os factos relativamente aos quais, dentre os acusados, aquele expressou a sua discordância.
III – Sendo a acusação deduzida contra vários arguidos mas apenas um deles requer a abertura de instrução, tanto podem ocorrer vícios processuais ou a insuficiência de indícios, estando todos acusados em comparticipação, que determinem a prolação de uma decisão instrutória que a todos abranja, como pode ocorrer a falta de um requisito processual – v.g. apresentação de queixa – verificável apenas quanto a um deles.”
Agora, tirem as vossas ilações…, mas certamente encontrar-nos-emos “In Court”.