Medidas de coação – Antecipação da pena?!

Medidas de coação – Antecipação da pena?!

Relativamente às medidas de coação a levar a efeito contra o arguido, constituem situações na observância do princípio da legalidade, sendo as mesmas aplicadas de conformidade com a gravidade da ilicitude e da culpa, em atenção também aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

Regra geral são todas da competência do Juiz de Instrução Criminal (JIC), com exceção da prestação do Termo de Identidade e Residência (TIR), a qual poderá ser efetuada pelos Órgãos de Polícia Criminal. Aliás, a aplicação das referidas medidas pelo JIC obedece ao requisito do TIR, pelo que, quando o suspeito chega ao TIC já está previamente constituído arguido. E naturalmente não faria outro sentido, atendendo a que em obediência ao princípio da legalidade mencionado inicialmente, as medidas de coação são aplicadas ao arguido.

Não cabem neste artigo as medidas de índole patrimonial, porque não integram as medidas de coação e saem fora da epígrafe do mesmo, se bem que, a prisão preventiva possa ser substituída por caução a impor ao arguido pelo JIC.

Retomando o assunto, as mencionadas medidas são de natureza residual, atendendo à preocupação do legislador em aplicar a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na residência, vulgo, prisão domiciliária, em última ratio. Ou seja, se alguma ou algumas das medidas mais leves for suficiente e adequada ao comportamento criminoso do arguido, ficará ex-cogito a prisão. E mesmo assim, sempre se deverá atender, que dentro das duas, a de permanência na residência prevalece sobre a preventiva. Não foi somente o legislador ordinário que se preocupou com este tipo de filosofia jurídica, mas também o legislador constitucional nos direitos, liberdades e garantias.

Ora, prisão preventiva, prisão domiciliária, seguem-se outras que anteriormente foram  omitidas, embora com referência, como as apresentações periódicas no posto policial mais próximo, nos dias e com a regularidade que o JIC entender; a proibição e imposição de condutas, nomeadamente a frequência de determinados locais ou a proibição de falar ou se aproximar de certas pessoas; e a suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos.

É exatamente esta última que assume uma certa acuidade, e com a qual tenho alguns pontos de divergência com juristas possuídos de alta afinidade nas matérias penais. Mas antes de aflorar os tais pontos críticos, convém proemiar apenas para acrescentar que aqui se incluem as situações de proibição do exercício do poder paternal, da tutela ou curatela.

  • Então, o busílis da questão, e a que o defensor deverá estar bem atento, começa com a notificação do arguido sobre a aplicação das medidas de coação – havendo co-arguidos, há a suscetibilidade de um assinar a notificação da aplicação de medidas que não lhe foram imputadas pelo JIC, devido ao famigerado “copy-paste”.
  • O segundo ponto consiste no facto de o JIC não ser omnisciente, pelo que, deverá ser questionado, e deixar claramente exarado, quando se tratar de suspensão de funções, sobre a distinção entre profissão e funções, porquanto o exercício de uma poderá não colidir com a outra. Há situações em que não restam dúvidas, como é exemplo a atividade da magistratura. Mas há outras, como acontece no caso do chefe da secretaria do tribunal, que não tem a chefia como profissão. Este poderá ser suspenso das suas funções, deixando de chefiar, e passar a simples funcionário da secretaria. Continuando a ser útil à administração e não ficando privado do direito fundamental da sua remuneração.

Têm surgido imensas injustiças neste âmbito, porque o JIC comunica à entidade patronal, pública ou privada, a suspensão que concerne a cada arguido, sem fazer, como claramente deveria, a cisão entre suspensão de funções e suspensão de profissão, e regularmente, quando se trata da primeira, tornam-na extensiva à segunda. Ora, isto é um ato irrefletido, que tem condições nefastas na sobrevivência do trabalhador e seus familiares, conduzindo por vezes à sua insolvência.

Depois, ofendem-se direitos fundamentais do trabalhador, para além de disposições da lei ordinária, designadamente o CPP, e disposições avulsas, como é o caso do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.

Portanto, não saia do primeiro interrogatório sem questionar, se for o caso.

Se tiver dúvidas, apresente-se no local de trabalho e exija que lhe atribuam outra tarefa, e em últimas circunstâncias, que o mandem para casa sem a perda da retribuição base a que tem direito. Se a retribuição não for paga, cortam-lhe outras regalias sociais, e fica tão despido como nasceu.

  • No que concerne ao terceiro ponto da indicada discórdia, prende-se com a segunda parte do título deste artigo. No caso do arguido vir a ser condenado, em termos penais, o desconto apenas se aplica em caso de prisão preventiva. Então, e relativamente às medidas de coação?

Se houver pena, as restantes medidas de coação, por mais gravosas que tenham sido, causando repercussões sociais indesejáveis, abalando a saúde do arguido e seus familiares, prejudicando-o na sua carreira, etc., foram medidas cautelares, e como tal não têm o efeito de desconto na pena.

Pior será a situação em que o tribunal vem a reconhecer a absolvição do arguido, caso em que, apesar de indemnização a pagar pelo Estado, nunca compensa a situação ante descrita.

Sejam quais forem as circunstâncias, com culpa ou sem culpa, entendo que as medidas de coação deveriam todas, hierarquicamente, ser consideradas uma antecipação da pena. Pelo que, deveriam entrar como desconto ou atenuação especial da pena, o que efetivamente nunca acontece.

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

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