O APOIO PÚBLICO E A CONSTITUIÇÃO/ As funções do Estado por ação e omissão/O paradoxo dos SEM-ABRIGO/O cotejo com o controverso «BAIRRO DA JAMAICA».

O APOIO PÚBLICO E A CONSTITUIÇÃO/ As funções do Estado por ação e omissão/O paradoxo dos SEM-ABRIGO/O cotejo com o controverso «BAIRRO DA JAMAICA».

O motivo que ora nos traz aqui, prende-se com a concessão de benefícios estatais, mormente no que concerne aos benefícios de inquilinos carenciados, independentemente da sua natureza e do modo por que se operem.
Não deixam todos de revestir o carácter do benefício, não deixam todos de constituir uma determinada subvenção, com a exceção do «estudante deslocado», mas os pressupostos em que se fundamentam, cada um de “per se”, são diferentes, tanto objetiva como subjetivamente, em atenção aos parâmetros da idade e outras circunstâncias merecedoras da proteção legal e supralegal. Enquadramos aqui, não somente as leis criadas para conceder proteção ao cidadão carenciado em sobreditas e determinadas circunstâncias, mas também o âmbito concreto dos direitos, liberdades e garantias, e outros princípios que se sobrepõem ao próprio direito constitucional, por razões de natureza ética e moral, para não falarmos no próprio direito natural.
Efetivamente, no que se refere ao princípio teleológico e subjacente à redistribuição da riqueza, outra ilação não resta, do que proceder à satisfação de necessidades públicas, sendo que, o direito à habitação constitucionalmente consagrado no art.º 65.º, não lhe foge à regra. Aliás, somos afoitos em afirmar, que em todas as situações de carência social, o Estado deveria estar sempre apto a colmatar tais situações, com o recurso financeiro ao dinheiro proveniente das suas receitas públicas, as quais emergem, essencialmente por força da operabilidade do sistema fiscal.
É lamentável ver um «sem-abrigo», é lamentável encontrar um pedinte num restaurante que nos desconforte a refeição, é lamentável que a saúde não seja igualitária e proporcional, é lamentável o já rebatido sistema de acesso ao direito e aos tribunais, e enfim, uma heterogeneidade de situações, que por mais que as apontemos e repisemos, o poder político só lhes lança mão por interesses que eventualmente estejam inerentes à prossecução de objetivos de tal natureza. E se não compreendemos isto, não poderemos certamente compreender também, que por ausência de receitas ou de dotação orçamental, tais situações não sejam relevadas na sua plenitude, em cotejo com as isenções e outros privilégios que são concedidos a privados que integram o substrato pessoal de pessoas coletivas públicas, incluindo a própria fábrica da igreja, outras associações ou organizações de qualquer religião ou culto, pessoas coletivas de mera utilidade pública ou de utilidade pública administrativa, estabelecimentos de ensino particular, e a generalidade dos institutos públicos.
Ora, se o objetivo do Estado consiste em arrecadar receitas para satisfazer as necessidades públicas, concedendo tais sobreditos privilégios e coartando benefícios ao cidadão carenciado, esse mesmo Estado não está com toda a veemência a cumprir o seu principal fim, caraterizado pelo princípio do Estado de direito democrático, ínsito logo no art.º 2.º da nossa Constituição.
Trazendo à colação a questão académica dos arrendatários sob carência, com a sua atuação ativa, o Estado está a cumprir uma das tarefas preconizadas pelo art.º 9.º da CRP – Garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático, incluindo o princípio da igualdade, ínsito no art.º 13.º daquele diploma. Por outras palavras, quando o Estado promove programas, incluindo a previsão legal, relativamente ao subsídio de renda, ao arrendamento jovem, ao arrendamento urgente e às pessoas a viver indignamente, está a cumprir com o preceituado pela Constituição no que concerne às funções políticas. Mas cumpre-as, tal como vimos, de modo deficiente e lacunoso. Basta pensarmos, que existe uma solução gerada para o arrendamento urgente, apenas para a habitação, e não existe para o arrendamento não habitacional.
Estamos plenamente conscientes, de que assegurando a habitação, o Estado cumpre uma das suas funções primárias, e de que o arrendatário não habitacional, ficando desprovido de rendimentos, se poderá socorrer dos apoios para a habitação, mas o Estado tem de prosseguir com a maior das funções, que é de natureza económica, sem a qual não poderá prosseguir com os fins sociais advenientes da existência em sociedade, donde avultam os tais princípios de natureza suprema ou natural.
Tecemos considerações sobre o Estado na sua função ativa, onde o Estado resvala no cumprimento da tarefa inerente aos direitos, liberdades e garantias, e falha nitidamente na vertente supraconstitucional. Porém, o Estado também está indelevelmente imbuído da sua função omitiva, sendo que, deixa de prosseguir tarefas que lhe são incumbidas, tanto em clima de pré-juridicidade, como em sede de infração a preceitos constitucionais, em prol de outros interesses. Isto não só deixa de estar correlacionado com o que acabamos de dizer, como também tem protecção legal “ex vi” do consignado na norma do art.º 18.º, n.º 2, da CRP, donde se extrai “ipsis verbis” que «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Mas esta norma deve ser interpretada nos seus devidos termos, porque o poder político nas circunstâncias ante descritas, até a contradiz na sua essência. Por isso, entendemos que o Estado deverá cumprir primacialmente a sua função primária, e só, acentue-se, a título residual, deverá prosseguir outros interesses, sempre desembocando na prossecução da sua função social – este sim, é o verdadeiro estado de direito democrático.
Quando são violados aqueles princípios, entra-se em colisão com as determinações do art.º 22.º da CRP, segundo as quais, sobressai a responsabilidade civil do Estado e outras entidades públicas, bem como solidariamente, a dos seus órgãos e funcionários, quando resulte violação dos direitos, liberdades e garantias. Não deixa de ser verdade, que tais violações são em regra de natureza implícita, e por tal facto, não salta muito à vista do cidadão comum, constituindo um dos exemplos flagrantes, os recentes acontecimentos ocorridos no «Bairro da Jamaica».
Em jeito de conclusão, entendemos, que apesar dos apoios criados, o direito deveria ser repensado no sentido de uma uniformidade legislativa, o Estado deveria ser mais justo e transparente, as autarquias deveriam ser mais diligentes, essencialmente por motivos de proximidade geográfica, e o cidadão deveria reagir em sede própria e em momento oportuno, pois não devemos prevaricar no desconforto por uma questão de conforto financeiro e institucional.

Sobre António Maria Barbosa Soares da Rocha

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