I – Introdução
II – Estatuição e Subsunção
III – Competências
IV – Casos concretos
IV – Conclusão
I – Introdução – O Jure Imperrii
Esta publicação restringe-se mais concretamente ao campo das Ciências Jurídicas, onde mais se faz sentir, umas vezes implícita outras explicitamente, uma força que o legislador atribui ao homem, a um único ser humano ou a um pequeno núcleo, sem antecipadamente aferir da prerrogativa de tal atributo.
Reconhece-se, que esta tarefa não é fácil, pois haveria a necessidade de, em cada caso isoladamente considerado, avaliar os fatores exógenos e endógenos que levam o homem à descoberta da verdade material, na obervância do princípio da oficiosidade ou do inquisitório. Já o leitor se terá apercebido, até pela epígrafe do artigo, que se pretende falar do papel do juiz de direito, a quem se atribui um poder, que o mesmo não clama, mas do qual faz jus. Na prática, basta estudar o Kamasutra, e essencialmente a posição do “Missionário” – A Injustiça sobre a Justiça.
Estamos na presença de um jure imperii.
II – Estatuição e Subsunção
Ora, a nossa Constituição determina paradoxa e textualmente no artº 205º que Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. Atente-se bem à trilogia deste preceito: soberania – administrar – a justiça em nome do povo. Efetivamente, existe a soberania do poder judicial, existe a administração, mas a justiça deve ser interpretada num atentado contra o povo e não em nome do povo. Isto significa, que para além do juiz ser “La bouche de la loi”, segundo Montesquieu, é também segundo os romanos, um Imperium in Império, um império dentro de outro império. E todo este Ius imperium lhe advém dos poderes igualmente atribuídos pela Constituição, designadamente pelo artº 208º, quando determina a independência dos tribunais e a sua sujeição à lei. Estamos em crer que este preceito está definitivamente anacrónico, tendo em consideração que os tribunais estão sujeitos não somente à lei, mas simultaneamente, à doutrina, à jurisprudência e à contingente subsunção que o juiz faz dos factos ao direito.
Este poder não fica apenas com a referência, que para além da hegemonia que se imputa ao diploma, também se estendeu para a lei ordinária, configurando deste modo uma autêntica tautologia legislativa, conforme se pode extrair de diversos preceitos do Código de Processo Civil e do ETAF, do artº 15º do CPPT, do artº 99º da LGT e do 8º do CPTA.
Este tipo de soberania é cindida da soberania popular já referida como paradoxo, que apenas funciona em termos políticos, e donde ressalta La mouche du coche, porque o povo apenas a exerce em termos alegóricos.
No entanto, a questão política não é objeto de abordagem na presente publicação.
III – Competências
Sendo assim, como poderá o juiz, um homem (ou o tal núcleo – Júri), arrogar-se a tal poder, se a sua decisão, que advém de uma apreciação dos factos, em regra subjetiva, porque condicionada e individual, produz efeitos na esfera jurídica das pessoas que não deveriam ser eventualmente lesadas?
Caso estejamos na presença de caso transitado em julgado, ou seja, que não admite à parte vencida interpor recurso para instância superior, o único meio de defesa é a reclamação a dirigir ao próprio juiz da causa.
Ultrapassando o valor da causa a alçada dos tribunais de 1ª instância, muito diferente entre os tribunais cíveis e os de competência especializada, o processo sobe mediante recurso da parte vencida ou do Ministério Público, sendo devolvido novamente à primeira instância para reapreciação da matéria de facto indicada, uma vez que aqueles apenas julgam e decidem sobre matéria de direito.
IV – Casos concretos
Parece ter toda a pertinência trazer à colação algumas ações judiciais, começando-se pelas julgadas em primeira instância:
1º) No Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (ano de 2010), em plena sentença (ato público), a Srª Juíza “acusou” o representante da Fazenda Pública de, em sede de inquirição de testemunhas, procurar fazer a prova da gerência de facto contra um miúdo de 31 (trinta e um) anos. Quer o MP, quer o representante não recorreram, porque a AT se limitou a inferir a gerência de facto através da gerência nominal, não logrando fazer prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, entendendo-se que ex vi do disposto no artº 24º da LGT e demais legislação supletiva, o recurso contencioso estaria votado ao insucesso. Parece-me demasiado relevante indicar, que se tratou de quatro processos da mesma natureza, sendo que, o valor da causa variou entre € 368 394,61 e € 780 501,31.
Deste mesmo processo constava que, tendo sido consultado o relatório de inspeção, o impugnante naquele caso e ora aqui oponente, exercia a gerência em termos nominais e supostamente de facto, como advém dos deveres ínsitos no artº 64º do Código das Sociedades Comerciais, do pacto leonino e da presunção natural de que, quando o sócio-gerente subscreveu o pacto social, foi com a consciência de participar nos lucros, devendo concomitantemente ter a preocupação de que os rendimentos se sobrepusessem aos encargos. Quanto mais não fosse, tal como diz Paulo Olavo os terceiros beneficiam da proteção da confiança e da aparência.
Ainda no âmbito da mesma questão, foi o pai do oponente que, devido a processos de natureza criminal por emissão de faturas fictícias e a processos executivos por falta de pagamento dos impostos que lhe haviam sido liquidados em resultado do apuramento da matéria coletável por correções aritméticas, e outras por métodos indiretos de determinação da matéria coletável, que não poderia ser possuidor de bens suscetíveis de penhora. Como tal, entre pai e filho terá surgido o conluio para continuarem a ser praticados os mesmos atos, mas em nome de pessoa coletiva diversa e com outro substrato pessoal.
2º) Em litígio dirimido no tribunal comum de Vila Nova de Gaia, veja-se a este propósito o link:
donde se extrai a força do poder jurisdicional, quer por ação ou por omissão, negligente ou propositadas. No seio de todo este emaranhado de omissão de procedimentos, melhor dizendo, de preterição de formalidades essenciais e no mais insólito da questão, é a desmesurada discricionariedade dos funcionários, que quiçá resultasse com a intervenção de profissionais do foro jurídico com os quais houvesse mais afinidade (note-se que se fala aqui apenas no campo hipotético).
3º) Em processo de natureza criminal, a um dos arguidos foram aplicadas medidas de coação, consistindo uma delas na suspensão de funções. Interposto recurso pelo mandatário daquele para o Tribunal da Relação, foi o mesmo objeto de indeferimento, tendo os dois juízes desembargadores intervenientes no processo, conforme determina o Código de Processo Penal, decidido matéria de direito com suporte em factos falsos, no sentido de que não eram imputáveis ao recorrente. Aquele “digníssimo” tribunal sustentou que o arguido, a cujas contas bancárias os órgãos de polícia criminal tiveram acesso, recebera € 400 000,00 de um amigo – logo, não tem direito ao trabalho nem à correspondente remuneração.
IV – Conclusão
O cidadão comum interrogar-se-á sobre o desfecho de tais processos, embora já sejam bem conhecidos os seus resultados. Ora, no que concerne àqueles em que o Estado é parte vencida, o problema é fácil de sanar – pagam-se as custas e anula-se o ato administrativo, cumprindo-se assim a sentença; nos processos em que a parte vencida é a mais desfavorecida, a solução também é fácil – apesar do princípio da tutela jurisdicional efetiva, com ou sem recurso ao patrocínio judiciário, surge a desmotivação e o “sistema” vence, porque as pessoas não estão para andar sine die com a hierarquia da justiça até esgotar a instância; nos processos cujo valor da causa não ultrapasse a alçada dos tribunais de primeira instância, em caso de reclamação, o juiz não irá contra a sua decisão, procurando nalguns casos apenas fundamentá-la melhor, mantendo o status quo ante.
Relativamente aos Julgados de Paz, que têm a sua competência limitada em razão da matéria e da hierarquia, já existem duas publicações cujos links se indicam:
– http://antoniosoaresrocha.com/direito/julgados-de-paz-o-poder-implicito
– http://antoniosoaresrocha.com/justica/justica-o-poder-implicito
E os casos poderiam multiplicar-se, como sucedeu igualmente com o inquérito que segue:
– http://antoniosoaresrocha.com/justica/inquerito-negligente
Tudo isto para concluir, que os juízes deveriam ser peritos, efetivamente na área em que o são, mas nunca um homem deveria ser omnipotente per se. Apesar de tudo, o sistema mais adequado, mas longe de ter a eficácia que preconizo, é o sistema da Common Law.